20 de nov. de 2006

O coronel e o lobisomem: o livro, não o filme

Esqueçam o filme, estrelado por Diogo Vilela, Ana Paula Arósio, entre outros. O livro, escrito por José Cândido Carvalho em 1964, é um clássico e é muito bom. Narrado no início do século XX pelo seu principial personagem, Ponciano de Azeredo Furtado, apresenta a decadência do coronelismo em detrimento das novas relações político-financeiras da burguesia insurgente, através da ótica do maravilhoso. O romance é narrado em primeira e terceira pessoa pelo próprio Ponciano. Não chega a ser absurdo se você lembrar das entrevistas que Edson Arantes do Nascimento dava falando sobre Pelé, aliás, o próprio. Há uma sucessão de "causos" que muitas vezes lembra Alexandre e outros heróis, de Graciliano Ramos, porém ao final concentra-se no processo de falência como reflexo da decadência do coronelismo, culminando na morte, ou melhor, nas "duas mortes" do coronel, a real e a fantástica. Perfila uma galeria de personagens prosaicos caracterizando uma dualidade campo/cidade, mítico/real, caracterizado pelo modo narrativo EU/Ponciano, ELE/Coronel Ponciano. Todavia a beleza e o encantamento do texto está na linguagem do romance, muito mais uma que uma paródia do discurso de Guimarães Rosa, alguém poderia dizer, trata-se mais de um refinamento da linguagem pancrônica do autor de Grande sertão: veredas. Há o uso literário da linguagem do interior, concentrando-se em processo de formação sufixal, sobretudo de adjetivos (tristoso etc.) e advérbios, mantendo um ritmo poético e dinâmico para o texto. O entrelaçamento das duas pontas (real/mítico) a partir do jogo de linguagem, aliado à construção do personagem Coronel Ponciano é o grande trunfo de José Cândido.
O filme recria uma parte pequena do romance, estabelecendo uma nova trama, nem de longe poderíamos dizer que se trata de um resumo, uma adaptação. Achei o filme bom... Mas o livro é bem melhor.

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