31 de jan. de 2005

O bicheiro, o Secretário de Segurança e a novela

Acho que na sexta ou no sábado vi um capítulo da novela " Senhora do Destino", da Rede Globo, em que a personagem vivida por Débora Fallabela é seqüestrada. Os pais percebem o perigo, ligam para o noivo, encontram-se. Neste momento há um diálogo interessante. O pai pergunta para quem ele(o noivo) está ligando e diz que, se quiser, pode falar com o Secretário de Segurança do Estado. O rapaz diz que não precisa, está telefonando para uma outra pessoa que pode resolver o problema: o bicheiro, interpretado por José Wilker. Ocorre também uma outra cena bem interessante: a escola de samba precisa de penas importadas de avestruz que estão na Alfândega. Imediatamente o bicheiro liga pedindo para alguém que libere de imediato as tais penas. Perdeu-se a chance, óbvio, de mostrar o que fazer numa situação real de seqüestro-relâmpago. Fica caracterizado, sem nenhum espanto, o "pára-legal" que não é legal e nem ilegal, mas está à margem da Lei. Não sairemos tão cedo dessa situação, haja vista que, para estar em uma novela, é porque já está cristalizada, uma vez que a novela trabalha e reforça todos os preconceitos e neuroses da classe média, que perdeu, há muito tempo, a esperança no Estado, apelando para o que está à margem do poder, funcional e informal. Lembrou-me sobretudo de um livro que li há tempos: O jeitinho brasileiro, de Lívia Barbosa, da Ed. Campus, 1992. Riram de mim quando pedi por esse livro, mas ele existe. Fruto de uma tese de Doutorado, aborda o modus operandi do "jeitinho brasileiro" e do "Você sabe com quem está falando?" em nossa sociedade. É um livro maravilhoso, com prefácio de Roberto DaMatta.

30 de jan. de 2005

comercial de televisão X curta-metragem: salas de cinema

Qual a principal razão de encontrarmos comerciais de televisão no cinema, antecedendo aos filmes? As salas de cinema alegam que, com tal atitude, podem permanecer com os seus ingressos baixos. Baixos? Nunca saberemos se é verdade ou não. O comercial, além de nos dar a sensação de que ainda não saímos de casa para assistir a um filme, empobrece o espetáculo, pois naquele momento deveríamos assistir a um filme, (que poderia ser um curta-metragem ou média-metragem, não sei), afinal, fomos ao cinema. Quando era criança, lembro que em muitas salas passavam, além do famoso " canal 100", muitos curtas. A maioria era detestável, engraçado, mal feito. Mas era produção nacional, nosso produto. Hoje, melhorou bastante o nível, há muitos curtas premiados. Infelizmente, esses filmes vivem somente de festivais e boa parte do público não tem acesso. Ganham um prêmio e ficam guardados na lata. Talvez fosse o caso de voltar a essa prática: antes de um filme, um curta. De acordo com a faixa etária, claro. Quem vai ao cinema quer cinema, e não comercial de televisão. E mais não digo!

29 de jan. de 2005

Trabalho de leitura em sala de aula - parte II

Foi aí que resolvi apelar para essa mania de “mandamentos”. Não ultrapassei, chegando a onze ou doze (já não seria mais um decálogo), também não cheguei a dez.
Porém alcancei nove.
Não são regras fixas, mas observações (algumas óbvias, outras nem tanto) e estudos sobre uma forma mais eficaz para o trabalho com a leitura, seja para alunos do 1o Grau, do 2o Grau, universitários e, por que não?, companheiros de trabalho. A seguir, apresento as nove dicas, não sem antes de registrar um apelo que faço para o leitor deste artigo. Se acaso descobrir o 10o mandamento, por favor, não esqueça de avisar-me, pois ainda pretendo publicar algo como “Os Dez Mandamentos para o Trabalho com a Leitura”.

1. Conhecer a comunidade de leitores;
Grupos de leitores diferentes trazem embutidos diferenças sócio-históricas, criando perspectivas diferentes em relação à leitura de um mesmo texto. Perceber tais diferenças, mediante conhecimento prévio do grupo, é um dos primeiros passos para o trabalho de leitura.

28 de jan. de 2005

Trabalho de leitura em sala de aula - parte I

Escrevi em 1999, eu acho, um artigo sobre o trabalho com leitura em sala de aula. Em tempos de "revisão de textos", resolvi então colocar aqui.
Apologia para um decálogo
ou
algumas observações sobre a prática leitora em sala de aula

Em FEBEAPÁ 3 (Festival de besteiras que assola o País), uma série escrita por Sérgio Porto no final dos anos 60, cujo objetivo era registrar com bastante humor alguns dos principais acontecimentos da vida pública do país, há duas notícias, no mínimo, curiosas. A primeira trata-se do “decálogo do bom burguês”, do Senador Ermírio de Moraes, que recebeu um acréscimo da Tia Zulmira, uma das personagens criadas por Sérgio Porto, no que seria o 11o mandamento: “Para os Senadores, paciência”. A segunda notícia refere-se a um livro lido por Tia Zulmira (sempre ela), escrito por Miguel Santos, sobre Tiradentes. O autor apresenta o “Decálogo do Idealista” cujo nono mandamento é: “Assinar o ponto e trabalhar.” Brasileiro sempre teve mania por decálogos. Há para todos os assuntos, sendo possível encontrar no local de trabalho, nos bares e até na sala de aula, passando pela Igreja, claro.
Quando montei com um amigo um mini-curso cujo tema principal era o trabalho com a leitura em sala de aula, para a “ Semana de Educação”, na Faculdade de Pedagogia da UERJ, no segundo semestre de 98, ficamos bastante animados com o retorno junto aos participantes. Não esperávamos tamanha recepção, e um interesse cada vez maior sobre a leitura e o seu uso. Acreditei que deveria elaborar algumas dicas para dar uma nuance mais prática ao curso, e, assim, enriquecer o curso.

22 de jan. de 2005

O documentário da BBC - Nos passos de Alexandre

São dois DVD´s, totalizando quase quatro horas. Bem melhor e mais interessante que o filme em cartaz. Escrito e dirigido por Michael Wood, o documentário refaz a jornada de Alexandre nos dias atuais. Em todas as passagens, Wood reflete e tenta imaginar quais as sensações, medos e vitórias do imperador e seu exército. Há momentos brilhantes como a passagem pelo Irã, em que é possível conhecer um pouco o país, longe dos aitolás e do fanatismo divulgado pelo EUA, em que somos apresentados a um contador de histórias, apresentando uma outra versão de Alexandre, o Dêmonio, como é reconhecido por lá e em vários lugares. A passagem por Cabul, no Afeganistão, em que é possível ver a dor e a perplexidade diante de um museu histórico destruído, cujas peças estão reunidas, quebradas, misturadas em um quarto escondido. Todavia o mais instigante são as pessoas, as histórias, lendas e paisagens de um Oriente médio completamente desconhecido por nós. Está chovendo biografias no mercado sobre a vida de Alexandre. Interessa-me uma série, Alexandrós, quatro volumes, eu creio, de Valerio Massimo, pela Ediouro. Por que tanto o interesse? Trata-se de um mistura explosiva: juventude e poder, que sempre atrairam a curiosidade de muita gente.

Alexandre, O Grande - um filme perdido

Quem assistiu ao filme de Oliver Stone sabe que o diretor perdeu-se. Não sabemos se era para ser um épico, um drama, uma biografia, um filme de ação. A música, excelente, simplesmente não condizia com as cenas, havendo em vários momentos constrangimento e falta de sintonia. E os diálogos? A cena em que Aristóteles conversa com os alunos sobre o amor entre os homens, quando Felipe, pai de Alexandre, conversa com o filho, na caverna, sobre deuses e homens. Porém, infelizmente, boa parte dos diálogos desperdiçados, superficiais. Mesmo com um bom elenco o filme não emociona, ao contrário, é lento, cansativo. Anthony Hopkins, na pele do sábio e velho Ptolomeu, narrador do filme, honesto em seu trabalho, dá consistência ao personagem, porém, de novo, Stone ao final do filme aponta para todos os lados, demolindo e ao mesmo tempo construindo o mito Alexandre, como se estivesse pedindo desculpas por algum erro em sua narrativa, na voz de Ptolomeu. A batalha de Gaugamela, que selou o destina da Pérsia, deveria ser o grande momento, infelizmente não foi. O tempo todo procurou-se criar um triângulo entre Alexandre, sua mãe, a belíssima Angelina Jolie, que pouco envelheceu no filme, e Jared Leto, na pele de Hefestion, amante do jovem imperador. Quem conhece um pouco de História sabe que sua passagem por Siwa, no Egito, foi crucial, pois lá ele foi reconhecido como um deus vivo, o que deve ter alterado sua própria percepção e sentido da vida, sem contar a batalha citada poucas linhas acima. Fica para um próximo filme, quem sabe acertam.

20 de jan. de 2005

Alfabetização de jovens e adultos - EJA - parte V

Hoje tenho claro para mim que a relevância destes tópicos, para uma primeira reunião, foi desnecessária, haja vista a complexidade de certos temas relacionados à leitura, por exemplo. Muito mais fruto da pouca experiência acumulada no campo da alfabetização de jovens e adultos, foi, isto sim, uma superestimada parelha de idéias com as educadoras, de minha parte, no que concerne à natureza desse trabalho, o principal condutor das reuniões iniciais. Como será visto nas páginas subseqüentes, questões suscitadas por mim ramificaram-se em diversos problemas que necessitavam de um maior esclarecimento, debate, e o estabelecimento, ainda que não totalmente, de novos parâmetros para a atividade educacional proposta.
Logo após os seminários apresentados no Instituto Superior de Educação do Estado do Rio de Janeiro — ISERJ — em que se juntaram tanto educadores quanto orientadores, pouco antes das atividades em sala de aula, deparei-me com uma apreensão, de início, que transformou-se em temor, norteando todas as minhas mais sinceras expectativas em relação à primeira reunião. Percebi que havia um temor de raízes e matizes diferentes desdobrando-se em mim. O mais profundo talvez fosse o de ter minha orientação rejeitada e, o mais superficial talvez tivesse relacionado à minha postura, meus gestos, em relação ao grupo. Ainda hoje, não tenho claro para mim o mapeamento desses temores que se estampavam no suor frio de minhas mãos e no falar inconstante e, por vezes, incessante nas primeiras reuniões.
O resultado dos questionários levantados engendraram novas e boas expectativas que suplantaram o medo, hoje, infundado. As reuniões para mim foram tornando-se encontros e, a pesquisa que preparei foi um dos estopins para essa mudança.

Alfabetização de jovens e adultos - EJA - parte IV

· Apresentação do grupo;
· Dúvidas (em geral, administrativas) das educadoras até a primeira reunião;
· Entrevista com a turma, como foi? ( algumas educadoras tinham recebido antes os questionários);
· Discussão sobre propostas de trabalho (projeto a longo prazo, temas p/ trabalho a curto e médio prazo, de acordo com a turma e a educadora);
· Importância da leitura de diversos tipos de textos em sala de aula, no início ou no final da aula, de preferência aqueles com os quais as educadoras tivessem mais intimidade, pois nem sempre é o texto que seduz o aluno, mas a intimidade que subjaz a leitura e explanação do texto, por parte da educadora;
· Importância de atividades que proporcionem trabalhos em grupo;
· Trabalhos com imagem;
· Leitura do texto do MOVA-Diadema que disserta sobre a metodologia de trabalho. Correlacionei, a partir dessa leitura, a necessidade de fazermos do texto um ponto de partida em sala de aula, e não um ponto de chegada;
· Necessidade de montar um grupo de estudo, na parte final da reunião.

Alfabetização de jovens e adultos - EJA - parte III

Conversamos sobre nossas experiências com alfabetização e nossa iniciação no mundo das letras. Com isso, percebemos, juntos, que a alfabetização que queríamos era contrária ao de nosso passado — uma vez que muitas lembraram da alfabetização a partir de uma das famosas frases “Vovô viu a uva”. Disse também que não seria eu a tirar todas as dúvidas sobre o trabalho de alfabetização, mas o grupo. Por isso, pedia sempre para que alguém comentasse a resposta de uma outra educadora, por exemplo, achava importante a circularidade de idéias, dúvidas e comentários no grupo de trabalho. Para essa primeira reunião, listei uma seqüência de tópicos que julguei ser relevante, pois facilitariam a concatenação de minhas idéias. Eis, portanto:

Alfabetização de jovens e adultos - EJA - parte II

As salas de aula tinham vários pontos em comum. Todas eram salas pequenas, bem iluminadas, e com pouca ventilação, no que acarretaria sérios problemas nos períodos de calor. Nenhuma sala tinha vídeo e televisão. Em um dos casos, havia um corredor largo, no segundo andar de uma das associações de moradores, em que todos passavam, a todo instante e, que se configurava para os alunos e para a educadora, numa bela sala de aula muito bem cuidada, por sinal.
Pois bem, marquei a primeira reunião numa quinta-feira, dia 26. Pretendia iniciar com uma dinâmica de grupo. A idéia básica era falar sobre as nossas experiências com alfabetização e expectativas quanto ao trabalho que estava sendo iniciado. Eu formaria um círculo e com um rolo de barbante jogaria para alguma educadora, ela iria segurar uma ponta e o passaria, em seguida, para outra educadora, de modo que ao final, formaríamos uma rede com o barbante utilizado. Subjacente a isto, a partir desta rede tecida pelas educadoras, pretendia mostrar que não seria eu a tirar todas as dúvidas sobre a natureza desse trabalho, mas o grupo. Daria relevância à formação de um espírito de equipe nas primeiras reuniões, uma vez que todos nós não nos conhecíamos.
Contudo, este foi um propósito que não ocorreu ipsis litteris. Aquela semana tinha sido bastante atarefada para mim e, na pressa, não pude comprar o barbante. Portanto, a idéia de formarmos uma rede começava a ruir. Substituí por uma bola de tênis de mesa, pois bastaria apenas lançar um para o outro. Quem o recebesse faria uma sucinta apresentação. Ao deparar-me com o grupo, composto por algumas senhoras, percebi a confusão que se instalaria caso lançássemos a dita bolinha. E se ela fosse parar na rua? Estávamos numa das salas de alfabetização, no segundo andar, com uma enorme janela aberta para a rua. Era uma possibilidade. E se alguém não pudesse se abaixar para pegá-la? Os constrangimentos de um primeiro encontro não poderiam ser orquestrados por um arremesso mal-sucedido. Achei melhor sentarmo-nos em círculo e, iniciar a conversa.

Alfabetização de jovens e adultos - EJA parte I

Em 1999 participei de um projeto de alfabetização de jovens e adultos promovido pelo Estado do Rio de Janeiro. Era o projeto MOVA, espalhado por boa parte do Estado. Acabei saindo em março de 2000, pois havia passado na PUC (iria fazer o mestrado), e achei melhor apenas estudar. Neste mesmo ano, resolvi escrever um pouco sobre minha passagem pelo projeto. Não saí do primeiro capítulo (rs). Como encontrei o arquivo, resolvi apresentar em pequenas partes.
O Primeiro Encontro
Ao receber a lista das entidades com as quais iria atuar, troquei alguns endereços com uma outra orientadora para facilitar o nosso trabalho criando, assim, áreas de melhor acesso para as nossas atividades. De início, fiquei com 14 turmas
. Resolvi, antes de conhecer as turmas e as educadoras, montar dois questionários, um para as educadoras e outro para as turmas, para melhor traçar o perfil de ambas; pois pretendia a médio prazo sugerir projetos de escrita e leitura de acordo com o grau de inserção em letramento da educadora e a demanda, ou melhor, a necessidade de escrita e leitura, de cada turma. Para a elaboração destes formulários, apoiei-me no Guia do Educador, do Ação Educativa, para as turmas, e um questionário sobre leitura, oferecido pelo 12o COLE – 12o Congesso de Leitura, realizado na Unicamp, naquele mesmo ano, para as educadoras. Elaborei também um roteiro para o relatório a ser entregue pelas educadoras. Para tanto, utilizei-me de algumas idéias a partir do roteiro de atividades do projeto “Alfabetização Rede Brasil”. Neste roteiro, bastava escolher a atividade julgada por cada uma das educadoras como a mais interessante, pois assim haveria um mínimo de material suficiente para analisar o quê a educadora pensava a respeito de alfabetização e letramento, uma vez que não teria como analisar e discutir todas as atividades da semana, de todas as educadoras. Anexo a este roteiro, preparei um relatório que denominei de “plano semanal”. Neste, solicitava o resumo das atividades propostas nos dias daquela semana de trabalho. Preparei o material nos dias 11 e 12 de agosto(1999).
Iniciei as visitas, de fato, na semana de 16 de agosto (1999). Tive diversos problemas. Em sua maioria, as entidades não se encontravam perto do metrô, o que dificultava bastante a locomoção numa mesma noite para outro local de trabalho. A comunicação era bastante difícil, pois em alguns casos o telefone, sendo comunitário, estava quase sempre ocupado.

14 de jan. de 2005

Alguns tópicos para exame de programas como Repórter Cidadão, Brasil Urgente e Cidade Alerta

Três programas da TV aberta que buscam a audiência quase no mesmo horário de final de tarde: Repórter Cidadão, da Rede TV!, Cidade Alerta, da Rede Record e Brasil Urgente, da Rede Bandeirantes. Tais programas versam sobre a violência como item principal, porém há algumas diferenças. Em todos esses, há o discurso jornalístico e o aparato tecnológico (helicóptero, cenário virtual, inserções ao vivo...) para fundar e legitimar um discurso popular de cunho violento, como se os âncoras, respectivamente, Ney Gonçalves, Wagner Montes e Datena, colocassem-se como porta-vozes das vítimas e oprimidos, ou seja, tudo gira em torno da legitimação de um discurso popular, e o jornalismo aparece como uma espécie de patamar. A sedução para tornar-se uma voz emblemática é muito forte para esses apresentadores. Cabe aqui um versículo famoso de Eclesiastes, Velho Testamento, da Bíblia: " Vaidade, vaidade, diz o pregador, tudo é vaidade". Trata-se de uma incongruência pois o discurso jornalístico, em princípio, baseia-se numa verdade científica (aquela que busca os fatos, respostas, examina evidências) enquanto o discurso popular baseia-se, em princípio, numa verdade popular ( não há exame de fatos, mas indagações calcadas na sabedoria popular). Para os dois programas, Repórter Cidadão e Brasil Urgente, ocorre tal desnível, uma fenda que os apresentadores precisam costurar ao longo do programa. Em Cidade Alerta, essa fenda é mascarada por um terceiro elemento que não é conjugado nos outros dois programas: o humor. Através do humor a violência, veio principal desse discurso popular, é mascarada e posta, muitas vezes, em um segundo plano, como uma segunda plataforma (como foi dito, a primeira seria o discurso jornalístico). Wagner Montes utiliza um bordão ao final de determinadas matérias, "Escraaaacha!" em que a própria câmera balança, simulando um terremoto ao ouvir esse brado retumbante, entre outras formas de achincalhe. O perigo, ao mascarar através do humor esse discurso popular, está na ampliação da faixa etária da audiência, tanto pra cima, os mais velhos, que reforçam seus preconceitos, quanto para baixo, os mais novos, esses, ainda com os seus valores em formação. O ocultamento dessa fenda pela produção de um discurso do humor também é muito perigoso porque legitima e alimenta a ação do próprio programa.

13 de jan. de 2005

Joaquim Nabuco, Bush: EUA continua sendo

George Bush, o Darth Vader de nossa era, não somente assumiu a mentira (a de que realmente não existe arma no Iraque) como também afirmou que faria tudo novamente. Sobre isso sempre tivemos certeza! Encerrou o ano de 2004 como personalidade do ano, pela Times, o que sugere, de fato, o apoio irrestrito de boa parte da mídia americana, e, pior, venceu as eleições para presidente com boa margem de vitória. Bush é a pontinha do iceberg, mas o que nos assusta é a base, a sociedade norte-americana, que o alçou para o topo do mundo. Pois bem, lembrei-me de um livro maravilhoso: Minha formação , de Joaquim Nabuco. Tal livro, uma espécie de autobiografia intelectual, é a reunião de vários artigos escritos no jornal Comércio de São Paulo e Revista Brasileira, por volta de 1893-99. Em um dos artigos, Nabuco faz uma análise dos EUA que permanece atual, o que me deixa bastante chocado, pois não percebo mudanças. Vou citar alguns trechos e recomendo, desde já o livro. É muito bem escrito, retrata um período do nosso Império e da sociedade brasileira de forma magnífica.
  • "...é ele (os Estados Unidos), talvez, o país onde melhor se pode estudar a civilização material, onde o poder dinâmico ao serviço do homem parece maior e ao alcance de cada um. Em certo sentido pode-se dizer dele que é uma torre de Babel bem sucedida..."
  • "... o governo na América é uma pura gestão de negócios, que se faz, mal ou bem, honesta ou desonestamente, com a tolerância e o conhecimento do grande capitalista que a delega."
  • "... tratando-se do norte-americano, que a igualdade humana para ele fica dentro dos limites da raça... nunca ninguém convenceria o livre cidadão dos Estadso Unidos, como ele se chama, de que o seu vizinho do México ou de Cuba, ou os imigrantes analfabetos e os indigentes que ele repele dos seus portos, são seus iguais. Para com estes o seu sentimento de altivez converte-se no mais fundo desdém que ente humano possa sentir por outro."

11 de jan. de 2005

Filas de bancos, de supermercados, filas, filas...

Odeio filas. Porém algumas pessoas adoram, e são quase sempre aqueles chatos que entram na categoria de Guilherme de Figueiredo: "chato é aquele que rouba sua solidão". Não bastasse isso, o que por si só é muito, a luta agora é exigir o respeito para quem está na fila. Achei que fosse apenas um problema com a nova geração, desrespeitar fila, mas ocorre em todas as idades e gerações. As pessoas estão fingindo que existe uma fila e simplesmente invadem, principalmente fila de caixa eletrônico. Olham pro alto, pros lados, e , quando são chamados a atenção, retornam, alguns desgostosos, outros com raiva. Foi-se o tempo que o brasileiro era de fato cordial. Sérgio Buarque precisava rever essa tese, caso estivesse vivo. Arrisco-me a dizer que se trata de uma nova característica que está associada sem dúvida à mecanicidade dessa vida moderna. Coitado do Gérson, famoso jogador, que deu nome à famigerada "Lei de Gérson": ter vantagem, sempre.

Empréstimos, dívidas, empréstimos...

Está cada vez mais difícil caminhar na rua Dias da Cruz, no Méier (bairro que fica na zona norte da cidade do Rio de Janeiro). Aumentou o número de financeiras na rua e, consequentemente, vendedores loucos para atrair novos clientes, para novos empréstimos. Em alguns momentos é preciso fugir e dizer "não, não e não" porque o assédio é terrível. O que mais espanta são que essas lojas estão cheias de clientes, as pessoas estão se endividando a pleno vapor! Pior... Artistas populares como Netinho, Raul Gil e o ator Paulo Goulart incentivam o consumo desse tipo de serviço fazendo propaganda. Juros altos e consumo, juros altos e consumo... E o aumento de lojas como Fininvest demonstra que existe um mercado promissor. Famílias inteiras poderão ir à bancarrota em breve, pois trata-se de um barril sem fundo. Falta planejamento financeiro e, principalmente, controle no consumo.

10 de jan. de 2005

Comportamentos culturais: o cinema, definitivamente, em casa

A pirataria de filmes inovou. É cada vez mais difícil encontrar VCD, que tinha uma qualidade no mínimo duvidosa, e está cada vez mais fácil comprar DVD, com qualidade impecável. Um ingresso de cinema hoje custa em média R$14,00 (inteira). Uma cópia em DVD, R$15,00. Com a vulgarização do home theater, a tendência é convidar os amigos para uma sessão. Para que pagar por um ingresso quando pode ter uma fita por muito, muito tempo? E a questão ética, dirá o leitor. Bem... foi comprada por R$15,00 (rs)!

Provas e concursos públicos

Fiz uma nova prova para o magistério. E vou continuar fazendo mais e mais provas até garantir um bom emprego, que me dê segurança e estabilidade financeira. Aprendi muitas coisas ao longo do ano passado ao fazer provas para o concurso público. Não adianta estudar sozinho; é preciso fazer um curso em algum momento, para aprender as dicas, macetes; não conheci ninguém que passou em uma prova logo de primeira; é preciso conhecer a banca que elabora a prova e estudar a partir das provas; cada banca tem um modo diferente para elaborar; a prova é preparada para o candidato errar, não se tratar de aferir conhecimentos; conhecer a matéria é fundamental mas a chave é o controle emocional; só passa na prova quem controlar a ansiedade; vários fatores interferem: cansaço antes da prova, tempo da prova, medo de errar, número de candidatos; não dá pra manter a atenção seguidamente ao longo da resolução da prova: eu, por exemplo, numa prova de 60 questões, concentro-me nas dez primeiras, dou um tempo e marco no cartão de resposta, depois faço mais dez, seguindo o mesmo ritual... Para mim, o segredo é concentrar, relaxar, concentrar, relaxar... A crise no mercado de trabalho aumentou a procura por emprego público. Porém sempre houve a procura pelo funcionalismo público, herança, talvez, da cultura portuguesa. O que me espanta é que essa é uma prática que vem desde a época do Império, ou seja, mudamos mas não mudamos tanto...

3 de jan. de 2005

Leitura: formação de mercador consumidor

Sempre tive esta idéia: o que poderia melhorar o desempenho de nossos alunos na área da educação seriam as editoras desenvolverem estratégias para formação de mercado consumidor. Isso mesmo: formação de mercado consumidor. Grupo empresarial financiando grupos de contadores de histórias, venda de livros em diversos locais (supermercados, magazines, bancas de jornais, quiosques), livros com acabamentos e materiais mais baratos (tamanhos diferentes, tiragens menores), áudio-livros (em K7 e CD) para comunidades em que não houvesse entrada de texto escrito como em algumas cidades do interior do nordeste, por exemplo; nas escolas: formação de clubes do livro (lembro que na minha época a escola recebia a ciranda dos livros), cursos de atualização em literatura brasileira financiada por editoras, financiamento em pesquisas na área de Educação para desenvolvimento da leitura, horários em nas Rádios para audição de textos literários, concursos literários. Claro está que o governo deveria cumprir sua parte: menos impostos, desenvolvimento (em parceria) de plano estratégico para indústria dos livros ( que, aliás, começou na gestão de Carlos Lessa, no BNDES), desconto no imposto de renda para aquisição de livros por parte dos professores (como era antigamente). Hoje, é uma utopia, mas não quer dizer que amanhã não poderá... Ah! se tivéssemos um trabalho aplicado para uma geração inteira de leitores!